Análise: Saída antecipada de presidente da CVM expõe pressões e limites da autarquia

Expert XP 2024 João Pedro Nascimento CVM

Muita gente sonha em presidir a CVM. Poucos, no entanto, têm real noção do peso que impõe o chapéu do regulador. Na última sexta-feira (18), o anúncio da renúncia de João Pedro Nascimento, a exatos dois anos do fim do mandato, surpreendeu o mercado e, ao mesmo tempo, expôs as pressões e os limites enfrentados pela autarquia. Por trás da decisão, revelam-se as feridas abertas de uma estrutura subdimensionada diante das ambições e complexidades do mercado brasileiro. Apesar dos avanços, a instituição opera com recursos escassos, corpo técnico sobrecarregado e desafios regulatórios em constante expansão.

Nascimento, ou JP, como é conhecido, nunca escondeu que sonhava em ser presidente do regulador do mercado de capitais brasileiro. Mais do que sonhar, o advogado planejou e executou esse projeto. Ao chegar à casa em 2022, já tinha em mente boa parte do que pretendia realizar e rapidamente iniciou essa implementação. Conseguiu, por exemplo, ampliar o orçamento da CVM e retomar concursos públicos com 60 novas vagas após 14 anos.

Na agenda regulatória, foram editadas mais de 40 novas resoluções, incluindo o regime “Fácil”, normas para ETFs, FIAGRO e portabilidade de carteiras. Também aproximou a comunicação com o mercado, que se tornou mais acessível e leve, sem perder autoridade. De forma geral, a atuação de JP era elogiada em público e nos bastidores. Havia críticas pontuais, praticamente inevitáveis à atuação do regulador e seu principal chefe.

Apesar dos avanços regulatórios dos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro não tem evoluído como se gostaria. O ambiente de juros altos tem penalizado o mercado local, que se aproxima de completar quatro anos sem uma nova oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Fundos como os multimercados vêm registrando resultados fracos e saída líquida de investidores, o que reflete o desânimo com ativos de maior risco e reforça o momento desafiador para a indústria como um todo.

Com mandato completo ou não, presidentes e diretores saem da CVM com prestígio reforçado e o currículo valorizado. A autarquia e seu corpo técnico seguem firmes na missão de zelar pelo bom funcionamento do mercado de capitais, ainda que essa missão nem sempre venha acompanhada da devida valorização institucional. Os salários do colegiado, por exemplo, estão bem abaixo dos praticados em outras autarquias e órgãos reguladores, o que limita a atração de talentos com trajetória consolidada no setor privado. Se há algum efeito colateral positivo nessa distorção, é o de ajudar a blindar a autarquia contra interesses político-partidários de curto prazo.

Com a saída de Nascimento, o colegiado da CVM passa a operar com o quórum mínimo de três membros. O mandato de Daniel Maeda, ex-superintendente da casa, terminou em dezembro passado e, desde então, a cadeira segue vazia. Com a vacância na presidência, a pressão por reposições se intensifica. Espera-se que o governo federal compreenda a urgência institucional e atue rapidamente para preencher o colegiado. Que o Congresso e o Ministério da Fazenda também estejam à altura da tarefa, mesmo em meio a ruídos recentes.

Não custa lembrar que, além da recomposição numérica, é fundamental discutir a composição qualitativa do colegiado. A CVM precisa de pluralidade de visões, trajetórias e experiências. Precisa de diversidade em todos os sentidos, inclusive em relação à origem dos indicados. João Pedro era um defensor da valorização do corpo técnico da casa e chegou a manifestar que gostaria de ver mais servidores de carreira entre os diretores.

A presidência da CVM é um posto cobiçado, mas não deveria ser um prêmio. O cargo exige preparo, escuta, convicção e resiliência. Cabe agora ao governo fazer uma escolha à altura. JP sai com a sensação de dever cumprido. E a CVM segue, como sempre, maior que qualquer nome.

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Muita gente sonha em presidir a CVM. Poucos, no entanto, têm real noção do peso que impõe o chapéu do regulador. Na última sexta-feira (18), o anúncio da renúncia de João Pedro Nascimento, a exatos dois anos do fim do mandato, surpreendeu o mercado e, ao mesmo tempo, expôs as pressões e os limites enfrentados pela autarquia. Por trás da decisão, revelam-se as feridas abertas de uma estrutura subdimensionada diante das ambições e complexidades do mercado brasileiro. Apesar dos avanços, a instituição opera com recursos escassos, corpo técnico sobrecarregado e desafios regulatórios em constante expansão.

Nascimento, ou JP, como é conhecido, nunca escondeu que sonhava em ser presidente do regulador do mercado de capitais brasileiro. Mais do que sonhar, o advogado planejou e executou esse projeto. Ao chegar à casa em 2022, já tinha em mente boa parte do que pretendia realizar e rapidamente iniciou essa implementação. Conseguiu, por exemplo, ampliar o orçamento da CVM e retomar concursos públicos com 60 novas vagas após 14 anos.

Na agenda regulatória, foram editadas mais de 40 novas resoluções, incluindo o regime “Fácil”, normas para ETFs, FIAGRO e portabilidade de carteiras. Também aproximou a comunicação com o mercado, que se tornou mais acessível e leve, sem perder autoridade. De forma geral, a atuação de JP era elogiada em público e nos bastidores. Havia críticas pontuais, praticamente inevitáveis à atuação do regulador e seu principal chefe.

Apesar dos avanços regulatórios dos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro não tem evoluído como se gostaria. O ambiente de juros altos tem penalizado o mercado local, que se aproxima de completar quatro anos sem uma nova oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Fundos como os multimercados vêm registrando resultados fracos e saída líquida de investidores, o que reflete o desânimo com ativos de maior risco e reforça o momento desafiador para a indústria como um todo.

Com mandato completo ou não, presidentes e diretores saem da CVM com prestígio reforçado e o currículo valorizado. A autarquia e seu corpo técnico seguem firmes na missão de zelar pelo bom funcionamento do mercado de capitais, ainda que essa missão nem sempre venha acompanhada da devida valorização institucional. Os salários do colegiado, por exemplo, estão bem abaixo dos praticados em outras autarquias e órgãos reguladores, o que limita a atração de talentos com trajetória consolidada no setor privado. Se há algum efeito colateral positivo nessa distorção, é o de ajudar a blindar a autarquia contra interesses político-partidários de curto prazo.

Com a saída de Nascimento, o colegiado da CVM passa a operar com o quórum mínimo de três membros. O mandato de Daniel Maeda, ex-superintendente da casa, terminou em dezembro passado e, desde então, a cadeira segue vazia. Com a vacância na presidência, a pressão por reposições se intensifica. Espera-se que o governo federal compreenda a urgência institucional e atue rapidamente para preencher o colegiado. Que o Congresso e o Ministério da Fazenda também estejam à altura da tarefa, mesmo em meio a ruídos recentes.

Não custa lembrar que, além da recomposição numérica, é fundamental discutir a composição qualitativa do colegiado. A CVM precisa de pluralidade de visões, trajetórias e experiências. Precisa de diversidade em todos os sentidos, inclusive em relação à origem dos indicados. João Pedro era um defensor da valorização do corpo técnico da casa e chegou a manifestar que gostaria de ver mais servidores de carreira entre os diretores.

A presidência da CVM é um posto cobiçado, mas não deveria ser um prêmio. O cargo exige preparo, escuta, convicção e resiliência. Cabe agora ao governo fazer uma escolha à altura. JP sai com a sensação de dever cumprido. E a CVM segue, como sempre, maior que qualquer nome.

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